190 ANOS DA NECRÓPOLE DO VALE DE SANTARÉM

No final de 2022, foi anunciada a doação de um terreno à Câmara Municipal de Santarém, para ser possível a ampliação do Cemitério do Vale de Santarém. Essa necessidade existe porque o cemitério número 4 (ver mapa abaixo) resultante da ampliação no início da década de 1980, já está lotado.

Mas desde quando os nossos entes queridos são sepultados no atual cemitério?

As lápides mais antigas no nosso cemitério datam do final do século XIX (gavetões escondidos atrás dos jazigos antigos), época em que foram feitas obras no cemitério (1874), pelo Padre Manoel Joaquim Marques, porque “estava em muito más condições”.

Contudo, o primeiro registo de um funeral no Cemitério do Vale data de 13 de novembro de 1833. Há 190 anos o pároco da época, o Padre Joaquim José da Silva, presidiu às Exéquias Fúnebres de Margarida Joaquina. Este é o primeiro registo de um funeral no Cemitério do Vale:


Até então, os enterros eram feitos no interior da Igreja ou no adro da Igreja.

A inumação nas igrejas era tida como «dever de religião», para que os mortos estivessem sob a proteção de Deus.

Para a Igreja Católica, já no 2.º concílio Bracarense (século VI) se havia proibido o sepultamento nas igrejas, porém, tal proibição não venceu o uso.

Mas foi com o Iluminismo, na segunda metade do século XVIII, que a Europa iniciou o processo de alterar o costume de enterrar os defuntos dentro das Igrejas para cemitérios fora dos templos de culto, devido às pestes que se geravam na época. Em França, o processo iniciou-se com o decreto de Luis XIV em 1776, e em Espanha o processo dá-se com a real Cédula de Carlos IV em 1789. Apesar dessas leis, houve resistência clerical e popular a essa mudança, o que levou a que só na década de 1820 fosse totalmente aplicada em toda a Espanha.

Em Portugal, no ano de 1787, médicos, intelectuais e altos funcionários do Estado, como Pina Manique, reclamavam os enterramentos fora das igrejas, por motivos de saúde pública.

Mas será D. Pedro, em plena guerra civil (1833) que proíbe os enterros nas igrejas, nos adros e nos claustros, pela epidemia de cólera morbus, que grassava em Portugal e a nível internacional. Essa ordem, passou a lei por decreto em 21 de Setembro de 1835 (já no reinado de D. Maria II).

Doentes em isolamento vítimas da cólera Morbus

Esta decisão foi muito polémica e demorou algumas décadas, até que se estendesse a todo o território nacional (temos como exemplo de resistência, a Revolta da Maria da Fonte, em 1846).

A transição foi “suavizada”, pelo recurso a terrenos próximos das Igrejas e, no Vale de Santarém, não foi exceção.

O último enterro registado na Igreja do Vale foi em 29 de outubro de 1833, da Senhora Genoveva Roza, viúva de Manoel da Motta:

Se no interior da igreja existia lugar de destaque para os ricos e uma vala comum para os pobres, a nova necrópole do Vale tornou-se também um “espelho” da sociedade dos vivos. Onde podemos ver no topo do Cemitério original os jazigos das famílias mais ricas (exemplo, do jazigo da Marquesa da Ribeira Grande) e os pobres sepultados diretamente na terra.

A evolução e a mudança de hábitos, muitas vezes na história, deveram-se às Epidemias, que obrigam a Humanidade a adaptar-se para sobreviver. A criação de Cemitérios Públicos foi uma resposta à Epidemia de 1833, que permanece até aos nossos dias...

Mapa do actual Cemitério do Vale de Santarém






Fontes:
Torre do Tombo e Junta de Freguesia do Vale de Santarém

Trabalho de pesquisa e texto de Arménio Francisca Gomes, 
membro dos Corpos Sociais da Associação Cultural Vale de Santarém-Identidade e Memória.


 






 

 


Comentários

  1. Respostas
    1. Comentários recebidos por mail:

      augusto graça
      16/02/2023, 22:50 (há 2 dias)

      Ex.mo Senhor
      Manuel Sá
      Muito obrigado pelo texto que teve a amabilidade de me enviar.
      Acho muito interessante recortes deste tipo, sobre o Vale de Santarém.
      Os meus agradecimentos
      Augusto Graça

      António Figueiredo
      16/02/2023, 23:51 (há 2 dias)
      Excelente pesquisa ..
      Parabéns ao Armênio.

      Manuel Branco
      17/02/2023, 18:06 (há 22 horas)
      Bom trabalho. Gostei de ler. Um abraço
      Manuel Branco

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  2. Obrigado ao Arménio por esta publicação, é um contributo importante para todos quantos se interessam por este tipo de coisas. Obrigado também à associação vale de Santarém identidade e memória pela sua aplicação.

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