IN MEMORIAN MARGARIDA LOPES, NATURAL DO VALE DE SANTARÉM, QUEIMADA NOS AUTOS DE FÉ, PELA INQUISIÇÃO EM 1614
In Memoriam Margarida Lopes
Em Março de 2020, a Assembleia da República
instituiu 31 de Março, o dia nacional de memória das vítimas da Inquisição.
A inquisição instituída nos Reinos de Castela e Aragão,
levou em 1492 à expulsão dos judeus desses reinos ibéricos. Muitos desses
judeus procuram refúgio em Portugal, pagando altos impostos à coroa portuguesa,
mas criando fortes focus de tensão demográfica e socioeconómica em muitas
cidades.
Em 1495, sobe ao trono em Portugal D. Manuel I
que, apesar de precisar do apoio económico dos judeus para a sua estratégia de
expansionismo e desenvolvimento económico, foi influenciado pela sua esposa
castelhana, D. Isabel, a expulsar os judeus de Portugal. No acordo de
casamento, estava a dita expulsão e extradição dos que tinham sido
condenados pelo Tribunal do Santo Ofício Espanhol.
Em Dezembro de 1496, foi publicado o édito de expulsão
dos judeus de Portugal e os que ficaram no nosso território foram forçados a
serem convertidos ao catolicismo, aparecendo assim os Cristãos-Novos.
Calcula-se que tenham sido convertidos entre 10 mil a 20 mil judeus.
O batismo
forçado foi realizado de maneira compulsória e decretado por lei. Assim,
muitos judeus foram “obrigados” a adotar a doutrina cristã, para continuarem a
viver no reino e serem inseridos na sociedade que renegava as suas tradições.
Porém, uma considerável parcela dos antigos adeptos da religião hebraica
buscou, dentro das condições e limites possíveis, manter a herança religiosa,
ainda que fosse de maneira clandestina. Buscavam maneiras de se manterem fiéis
às crenças dos antepassados, mesmo que de forma limitada, improvisada e
adaptada às possibilidades então vigentes.
Apesar do ambiente hostil de vários setores da
sociedade para com eles, os cristãos-novos rapidamente se destacaram a nível
comercial e de serviços. Isso levou a que um grande número de burgueses,
baixo-clero e funcionários começassem a atribuir a culpa de tudo o que estava
mal aos judeus.
O estabelecimento da inquisição em Portugal, tem
assim, como contexto, o crescente ambiente de animosidade com os cristãos-novos
na sociedade.
O tribunal da inquisição foi criado em Portugal através da Bula Apostólica do Papa Paulo III, Cum Ad Nihil Magis, em 1536.
Imagem 1 – Bula Cum Ad Nihil Magis arquivada na Torre do Tombo.
Estima-se que desde o início e até 31 de Marco de 1821, quando foi decretado o fim da “santa” inquisição em Portugal, tenham sido instaurados cerca de 45.000 processos e condenadas à morte mais de 2.000 pessoas. Entre essas vítimas, há pelo menos uma moradora do Vale de Santarém.
Margarida Lopes (1576-1614), cristã-nova, foi
casada com José Pessoa, cristão-velho, Lavrador, e moravam no Vale de
Santarém. Nasceu em Santarém, filha de
Ana Lopes e Simão Rodrigues, cristão-novo e mercador em Santarém. Sofreu o
mesmo destino que a sua família de Santarém: foi presa a 6 de Abril de 1611 e
levada para o Palácio dos Estaus em Lisboa.
Imagem 2 – Palácio dos Estaus em Lisboa, sede do Santo Ofício
(ardeu em 1836 e nesse local foi construído o Teatro Nacional D. Maria II).
Ficou presa durante quase 3 anos, durante os
quais foi torturada, até confessar a sua fé ao Judaísmo.
Segundo o acórdão dos inquisidores, embora sendo batizada cristã, “obrigada a ter e crer o que tem e ensina a santa madre igreja de Roma, ela se apartou da nossa santa fé católica, depois do último perdão geral e se passou para a crença das leis de Moisés”, guardando os sábados, e não comia carne de porco.
Imagem 3- Parte do acórdão da sentença de Margarida Lopes.
A ré foi condenada a auto-da-fé, e todos os bens
foram confiscados. Foi executada a 16 de Fevereiro de 1614.
Imagem 4- Auto de
fé
In Memoriam de
Margarida Lopes
Hoje a liberdade religiosa é um direito humano fundamental,
consagrado em inúmeras declarações e tratados internacionais.
É essencial que reconheçamos a importância da
diversidade religiosa nas nossas comunidades e sociedade. A troca de ideias e
perspectivas entre diferentes tradições religiosas, enriquece o nosso
entendimento do mundo, e ajuda-nos a construir sociedades mais inclusivas e
compassivas. Devemos celebrar essa diversidade e promover o diálogo
inter-religioso, como uma forma de construir pontes entre culturas e promover a
paz e a harmonia.
É dever de todos nós combater a intolerância
religiosa e xenofobia, onde quer que ela se manifeste. Isso significa desafiar
estereótipos e preconceitos, promover a educação intercultural e
inter-religiosa, e apoiar medidas legislativas e políticas que protejam e
promovam a liberdade religiosa. Devemos também estar atentos aos discursos de
ódio e à violência baseada na religião, denunciando essas práticas e defendendo
os direitos daqueles que são alvos delas.
Arménio
Francisca Gomes
Membro dos Corpos Sociais da Associação Cultural Vale de
Santarém-Identidade e Memória
8 de Março 2024 - Dia Internacional da Mulher.
Muito interessante! Obrigado.
ResponderEliminarComentários por mail:
ResponderEliminarManuela Martins
Muito obrigada. Beijinho
Mário Marcos
Que extraordinária homenagem a Margarida Lopes e a todas as mulheres, neste seu dia. Mário Marcos
Fernando Soares
Caros amigos
Eis uma maneira, singular, de celebrar o "DIA INTERNACIONAL DA MULHER", fazendo o acento tónico em duas perspectivas e, assim, dando maior eficácia à efeméride:
- Recordarmos uma mulher, aqui do Vale, cuja vida nos parece hoje, de tão brutal sofrimento, impossível e para além da nossa compreensão;
- Que a ignorância, o fanatismo, o poder absoluto, a teocracia conviveram connosco séculos a fio e só nos deixaram há relativamente pouco tempo (1821) e - note-se! - depois de armas terçadas e muitas vidas ceifadas prematuramente.
Maiores cumprimentos.
Fernando P Soares
Comentário de António Figueiredo:
ResponderEliminarMuito bom!
Obrigado Arménio.