BULHÃO PATO: VIAJAR DE LISBOA AO VALE DE SANTARÉM NO SÉCULO XIX
Nos nossos dias, viajar de Lisboa ao Vale de Santarém demora menos de uma
hora, pelas excelentes vias de comunicação existentes, tornando possível que
dezenas dos nossos conterrâneos consigam ir trabalhar em Lisboa, seja de
comboio ou de automóvel, todos os dias.
Tendo já decorrido o ano do Bicentenário do Nascimento de Rebelo da Silva (em
2022), podemos perguntar-nos como faria este ilustre personagem da nossa terra
para viajar de Lisboa até ao Vale. Um dos seus amigos, Raimundo de Bulhão
Pato, que passou algumas temporadas de férias no Vale, descreve-nos o percurso
em “A Primeira Visita ao Valle de Santarém”.
1. Bulhão Pato Pintura de Bordalo Pinheiro, 1883 |
Em Outubro de 1856, foi inaugurado o primeiro comboio entre Lisboa e o
Carregado. Nos anos seguintes, a rede ferroviária cresceu rápidamente, chegando
a Badajoz em 1861 e, no ano seguinte, o trajeto Lisboa-Porto é assegurado.
Os comboios dessa época eram muito lentos, comparados com os dos dias de
hoje, mas foi uma verdadeira revolução nos transportes. Contudo, tinham na
época um meio de transporte alternativo, no rio: o barco a vapor.
Nesta época, viajar de Lisboa ao Vale já se conseguia fazer no mesmo dia,
numa viagem de mais de 12 horas e, como tal, era preciso ser madrugador, porque
o barco saía bem cedo do Terreiro do Paço.
Isso mesmo: o barco
a vapor que subia Tejo acima, saia às 7 horas da manhã e a viagem, se corresse bem até ao
Vale, terminava às 22h! (se não mais tarde).
Barco a vapor no Tejo |
Tal como o comboio nos dias de hoje, o barco a vapor parava em vários locais:
Paragens do vapor |
Alhandra |
Vila Franca
de Xira |
Vila Nova |
Carregado |
Chegados ao Carregado, subiam a Vala real num pequeno barco, navegado à sirga, numa travessia muito demorada e monótona.
3. Balsa levada à sirga |
Sirgar - levar uma embarcação pela borda de água, puxando-a ao longo da terra com um cabo, quando o remo ou a vela não vencem a corrente
Bulhão Pato, no seu livro de Memórias publicadas entre 1877-1907, faz-nos
uma bucólica descrição da Vala e da Leziria: “umas margens bordadas
de freixos e salgueiros; as batardas, atravessando com o vôo descansado e a
envergadura enorme; as bandadas de patos bravos no Inverno e de mancões no
Verão; os pertos e longes da campina; os toiros ruminando no hervaçal, mansos,
sem sombras de aspecto minaz, como se lhes não corresse no sangue a nativa
ferocidade; e o campino, com o seu cavallo e a sua vara.”
4. Abetarda |
Bulhão Pato ajuda-nos a entender a beleza natural que abraçava quem por estes modernos meios de
transporte viajava, no século XIX, até
ao Valle de Santarém.
Este escritor ficou famoso na Gastronomia portuguesa, sendo “Ameijoas à
Bulhão Pato” um dos pratos mais famosos, até aos dias de hoje. No Vale, houve o
privilégio de provar esse prato feito pelo próprio. Como tantas vezes citou
Rosalina Melro as memórias deste poeta: ele trazia ameijoas da Caparica e cozinhava-as
no Vale, depois de todo este trajeto!
5. Ameijoas à Bulhão Pato |
Uma iguaria merecida, depois de tão longa viagem;
para partilhar com o seu amigo Rebelo da Silva e família, no pequeno paraíso do
Vale, cuja beleza silvestre é tão importante continuar a preservar!
Arménio Francisca Gomes
Associado e membro dos Corpos Sociais da Associação Cultural Vale de Santarém-Identidade e Memória
Uma excelente apresentação de como era relevante a vida na nossa terra e dos vultos que a frequentavam.
ResponderEliminarMuito interessante este texto sobre mais uma das passagens pelo nosso Vale de Santarém.
ResponderEliminarLindo registo das crónicas da nossa terra.
ResponderEliminarObrigada pela investigação que vais fazendo. Beijinho